Aula - 29/07/2010

29/09/2010


 No dia vinte e nove de julho de dois mil de dez, trabalhamos o texto de Amélia Domingues de Castro, intitulado A trajetória Histórica da Didática. Com o referido, podemos ter um embasamento teórico para entendermos verdadeiramente o significado da palavra Didática. Foi a partir desse texto que realizamos a primeira resenha nessa disciplina.

 
Podemos destacar como pontos cruciais deste texto os seguintes tópicos:


A Trajetória Histórica da Didática


A reabertura de estudos e discussões sobre Didática, como disciplina e campo de estudos,parece refletir mais um momento de crise em sua trajetória histórica. Será, pois, conveniente,requisitar esse percurso para que se pondere em que medida os processos de gênese e a evolução dessa disciplina poderão trazer esclarecimentos sobre seu objeto de estudos e a delimitação de seu campo. Pode-se, também, perguntar como o papel e o significado atribuídos ã Didática no passado afetam seus problemas atuais, especialmente os que dizem respeito à autonomia do seu campo e ao relacionamento deste com áreas afins.


Houve Um Tempo de Didática Difusa


Como adjetivo - didático, didática - o termo é conhecido desde a Grécia antiga, com significação muito semelhante à atual, ou seja, indicando que o objeto ou a ação qualificada dizia respeito a ensino: poesia didática, por exemplo. No lar e na escola, procedimentos assim qualificados -didáticos - tiveram lugar e são relatados na história da Educação. Como objeto de reflexão de filósofos e pensadores, participam da história das idéias pedagógicas.

A situação didática, pois, foi vivida e pensada antes de ser objeto de sistematização e de constituir referencial do discurso ordenado de uma das disciplinas do campo pedagógico, a Didática. Na longa fase que se poderia chamar de didática difusa, ensinava-se intuitivamente e/ou seguindo-se a prática vigente. De alguns professores conhecemos os procedimentos, podendo-se dizer que havia uma didática implícita em Sócrates quando perguntava aos discípulos: "pode-se ensinar a virtude?" ou na lectio e na disputa tio medievais. Mas o traçado de uma linha imaginária em torno de eventos que caracterizam o ensino é fato do início dos tempos modernos, e revela uma tentativa de distinguir um campo de estudos autonómo.


Século XVII: surgimento da Didática


A inauguração de um campo de estudos com esse nome tem uma característica que vai ser reencontrada na vida histórica da Didática: surge de uma crise e constitui um marco revolucionário e doutrinário no campo da Educação. Da nova disciplina espera-se reformas da Humanidade, já que deveria orientar educadores e destes, por sua vez, dependeria a formação das novas gerações. Justifica-se, assim, as muitas esperanças nela depositadas, acompanhadas, infelizmente, de outras tantas frustrações.

Constata-se que a delimitação da Didática constituiu a primeira tentativa que se conhece de agrupar os conhecimentos pedagógicos, atribuindo-lhes uma situação superior à da mera prática costumeira, do uso ou do mito. A Didática surge graças á ação de dois educadores,RATÍQUIO e COMÊNIO, ambos provenientes da Europa Central, qua atuaram em países nos quais se havia instalado a Reforma Protestante .

COMÊNIO escreveu, entre outras obras, a Didática Magna, instituindo a nova disciplina como "arte de ensinar tudo a todos". Dessa ambição participa também RATÍQUIO, e ambos, pautados por ideais ético-religiosos, acreditam ter encontrado um método para cumprir aqueles desígnios de modo rápido e agradável. Na verdade a instrução popular é crucial para a reforma religiosa, e a busca de procedimentos que propiciassem rendimento ao ensino torna-se importante. Obedecem á utopia da época: a idéia baconiana da atenção á natureza - esta é o modelo que os didatas supõem imitar quando aconselham seguir sempre do fácil ao difícil, ir das coisas às idéias e do particular ao geral, tudo sem pressa. Numa época em que o latim dominava, propunham iniciar o ensino pela língua materna e por meio de livros ilustrados, como exemplificou COMÊNIO. Tem-se notícias de experiências educacionais realizadas conforme os princípios expostos, embora nem todas tivessem tido sucesso. Não existem fronteiras, na obra do século XVII, entre Educação e Ensino, pois o objeto da Didática abrange o ensino de conhecimentos, atitudes e sentimentos.

Essa etapa da gênese da Didática a faz servir, com ardor, á causa da Reforma Protestante, e esse fato marca seu caráter revolucionário, de luta contra o tipo de ensino da Igreja Católica Medieval. Doutrinariamente, seu vínculo é com o preparo para a vida eterna e, em nome dela, com a natureza como "nosso estado primitivo e fundamental ao qual devemos regressar como princípio. Observa-se, entretanto, que, na Europa Ocidental Católica, outros pensadores também já haviam discutido, como humanistas, a reforma de procedimentos educacionais,contestando o medievalismo.” [...]


Conheçam Seus Alunos - diz Rousseau


As instituições dos didatas parecem ter-se estiolado no decurso do tempo e a História da Educação consigna apenas iniciativas esparsas até o final do século XVIII. ROUSSEAU é o autor da segunda grande revolução didática. Não é um sistematizador da Educação, mas sua obra dá origem, de modo marcante, a um novo conceito de infância. O Século das Luzes, que tanto valoriza a razão, tem nos excessos românticos de ROUSSEAU o seu contraponto. Sob certos aspectos ele aparece como um continuador das idéias dos didatas, mas dá um passo além de suas doutrinas quando põe em relevo a natureza da criança e transforma o método num procedimento natural, exercido sem pressa e sem livros.

A prática das idéias de ROUSSEAU foi empreendida, entre outros, por PESTALOZZI, que em seus escritos e atuação dá dimensões sociais ã problemática educacional. O aspecto metodológico da Didática encontra-se, sobretudo, em princípios, e não em regras, transportando-se o foco de atenção às condições para o desenvolvimento harmônico do aluno.

A valorização da infância está carregada de conseqüências para a pesquisa e a ação Pedagógicas, mas estas vão ainda aguardar mais de um século para concretizar-se. Enquanto COMÊNIO, ao seguir as "pegadas da natureza", pensava em "domar as paixões das crianças",ROUSSEAU parte da idéia da bondade natural do homem, corrompido pela sociedade. É em sua obra O Contrato Social que discute a reforma da sociedade, tão necessária quanto a reforma da Educação: por essa vertente de seu pensamento é que participa da renovação ideológica que precedeu à Revolução Francesa.


Qual a Situação Atual da Didática?


Chegou o momento de procurar responder às questões iniciais, que giram em torno do objeto de estudos e da delimitação do campo da Didática, de sua autonomia e relacionamento com outras áreas de conhecimento e reflexão.

Verificou-se que o título Didática iniciou-se há cerca de três séculos, com os "didatas", o que não significa que sejam estes os autores da palavra, já corrente como qualificativo. Passa a reunir sob essa rubrica os conhecimentos que cada época valoriza sobre o processo de ensinar. No decurso do tempo outros termos tentam tomar a si os conteúdos didáticos (Pedagogia, Metodologia etc.), mas a Didática persiste em manter seu conteúdo.

Há um significado ambíguo que ora acentua o Ensino como modelagem/armazenagem, ora o entende como desenvolvimento/desabrochamento. Não seria tão importante delimitar o campo e distinguir o objeto da Didática, não fora a estranha questão que encontrei.

Novos modos de interpretar o fenômeno Ensino, orientações práticas derivadas de teorias diferentes, desencadeiam, parece-me, a necessidade de encontrar um novo nome para um procedimento e uma reflexão que se alteraram: se chamam o ensino de "direção da aprendizagem", exigem nova denominação para a disciplina que dele se ocupa. Os adjetivos que são acrescentados à Didática parecem periodicamente cumprir esse papel de alterá-la ao sabor do seu conteúdo.

Acontece, no caso, uma confusão entre uma disciplina e o que se conhece a respeito de seu campo. Ora, uma disciplina, campo de estudos, ciência ou arte, não pode ser confundida com os conhecimentos que constituem o seu conteúdo próprio. Se este é impreciso e mutável, é porque ainda não se "pôs a casa em ordem". Inventariar, ordenar, organizar o que se conhece sobre Didática, á base da abundante experimentação desta segunda metade do século, seria um dos meios de trabalhar esse setor. Refletir e interpretar esses conhecimentos seria o fundamental.

Condenar a Didática porque seu conteúdo não é satisfatório não resolve nossos problemas práticos, seria como condenar a Medicina porque ainda não resolveu o problema do resfriado comum. Se é indefinido o conteúdo, parece mais lógico que se procure o núcleo fundamental da Didática do que suas fronteiras, nesta era em que a interdisciplinaridade não só é aceita, mas procurada.

Conseguindo-se apontar o núcleo dos estudos didáticos, ou seja, o Ensino, como intenção de produzir aprendizagem e sem delimitação da natureza do resultado possível (conhecimento físico, social, artístico, atitudes morais ou intelectuais, por exemplo), e de desenvolver a capacidade de aprender e compreender, é fácil entender que suas fronteiras devem sei fluidas. E que essa fluidez é qualidade e não defeito, pois permite sua aproximação com conhecimentos psicológicos, sociológicos, políticos, antropológicos, filosóficos ou outros.

Mas, afinal, será mesmo a Didática apenas uma orientação para a prática, uma espécie de receituário do bom ensino? Esse é um dos mais discutidos problemas da disciplina. Se assim fosse não valeria a atenção de tantos, embora possa até chegar lá, como qualquer disciplina que comporta aplicações práticas. Mas a teorização em Didática é quase uma fatalidade: em todas as discussões há, explícita ou implicitamente, uma tomada de posição teórica. Disse um eminente pensador, há muitos anos, que o pedagogo quase nunca foi o filósofo de sua pedagogia ... Assim é a Didática, que, como vimos, se aproxima de outras teorias, em sua necessidade de explicar as relações entre os eventos que estuda, pois a função da teoria é a explicação. Há alguns anos muitas esperanças foram depositadas nas teorias de Ensino ou da Instrução, que apareceram. Seriam, talvez, prematuras, de onde não se terem firmado.Ou não teriam, na ocasião, suporte empírico? Faltaria a elas, talvez, a organização dostermos teóricos e das relações predominantes para atingir as explicações aceitas pelacomunidade educacional"?

Não suponho que uma única teoria possa, de momento, dominar o campo da Didática. As teorias promissoras são interdisciplinares, o que não tem nada de estranho nem pejorativo, já que o ensino (já se disse como e por que) é basicamente complexo,só podendo ser compreendido a partir de outros elementos das ciências humanas e sociais.

Assim, teríamos, talvez, de integrar modelos provenientes de diferentes áreas, desde que não fossem entre si contraditórios. Esta é a questão básica da interdisciplinaridade: a percepção de relações comuns, explicações coerentes, utilização dos mesmos métodos de pensamento.

A Didática deve conviver com essa dupla feição, teórica e prática. Como a Medicina. E uma prática muito especial, pela responsabilidade social que a envolve, já que tem uma grande impregnação social. Mas são diferentes a elaboração de um rol de prescrições e o traçado de conjecturas, de proposições com diferentes graus de probabilidade, de hipóteses conduzidas pela teoria. Pois os caminhos didáticos, ao contrário do que julgam alguns tecnodidatas, são amplos e diferenciados e não estritos e exclusivos.

Os novos rumos da experimentação didática oferecem uma libertação dos cânones estritos da pesquisa quantitativa, objetivada e controlada pela estatística. Não é o caso da substituição pura e simples de um tipo de investigação por outro, já que, conforme o problema, continua-se recorrendo a diferentes instrumentos. Aliás, a Humanidade, quando inventa novas técnicas, sempre ganha se não despreza as antigas, mas integra-as às modernas. Trata-se, pois, de ampliar o campo e absorver as auspiciosas modalidades da pesquisa qualitativa, hoje à disposição da Didática.

É certo que alguns problemas surgem, específicos para a pesquisa em países por muito tempo dependentes, política ou economicamente. Aponta-se que tais países acentuam,a partir dos anos 60, as pesquisas de caráter sócio-educativo, que versam sobre as relações entre a Educação e outros processos sociais, deixando de lado a pesquisa concernente aos processos individuais de aprendizagem e de ensino, "embora hoje se comece a entender", disse LATAPI(10), "que a solução de numerosos problemas sócio-educacionais depende em grande parte desse tipo de pesquisa". Mas a recíproca também é verdadeira, acrescento.



Para as pessoas que desejam ler esse texto na integra, o referido está disponível  no endereço eletrônico  : https://.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias11p015-025c.pdf. Referencia bibliográfica do texto : CASTRO, Amélia Domingues de. A trajetória Histórica da Didática. Série Idéias n. 11. São Paulo: FDE, 1991.